Voltei a jogar Mario — aquele do Super Nintendo — numa segunda-feira de manhã (sim, pode ficar com uma pontinha de inveja). Como eu é quem faço meu horário de trabalho, fica relativamente fácil ajudar os amigos. No caso, uma amiga precisava que alguém ficasse na casa dela pra receber o cara da NET. Ela estava de mudança, sabe como é… O alguém, então, fui eu. Tendo recém-instalado no meu PC um emulador de Snes, a missão da segunda-feira soava como uma saborosa jogatina matinal. Mal sabia eu que aquelas horas entrando e saindo pelo cano e matando sucessivas vezes o Koopa me reservariam aprendizados valiosos.
(A partir de agora, avance por sua conta e risco: contém linguagem altamente nerd.)
Lá estava eu, logo depois de sair do terceiro mundo do jogo (Vanilla Dome, aquele que é uma caverna com um laguinho no meio) rumo à futura consagração no quarto castelo. Antes disso, porém, ainda precisava passar mais algumas fases, e a primeira delas ficava numa ponte de madeira e se chamava Cheese Bridge Area — um nome que faz todo sentido num jogo onde o personagem principal é um encanador italiano que mora no Reino dos Cogumelos.
A fase da ponte de queijo estava marcada no mapa com um pontinho vermelho, o que minha esposa (que também adora Mario) já havia me dito se tratar de um sinal de que ali tinha um segredo. Não sei se você concorda comigo, mas sempre pensei que nesses jogos o mais legal não é chegar ao fim, mas nos sentirmos o máximo porque conseguimos descobrir algo que foge do caminho óbvio de sempre. Assim como no Megaman X o lance não é matar o Sigma, mas sim se esforçar para pegar todas as armaduras, no Mario também existe toda uma coleção de tesouros escondidos que realmente atiça a curiosidade.
Aquela fase, então, havia mexido com algo muito profundo em mim. Eu já a tinha concluído normalmente, mas não conseguia de jeito nenhum encontrar qualquer pista do segredo que ela guardava. Tentei investigar parte por parte várias vezes, até que desisti e apelei para o Google (aprendizado #1: por mais que de de vez em quando seja legal tentar descobrir por si mesmo, você pode ganhar muito tempo de vida se souber usar aquele cérebro gigante que acompanha quase qualquer dispositivo conectado à internet hoje).
A fim de acessar o Google, precisei rotear a internet do meu celular para compartilhá-la com o notebook (na verdade eu não precisava fazer isso, mas parecia uma boa hora para aprender algo novo — é, eu não sabia como rotear uma rede 3G, pode me julgar — , e além disso eu não me dou tão bem com smartphones, como minha ignorância confessa já dá a entender). Resultado: descobri algo incrivelmente útil — sem dúvida mais útil do que saber o tesouro escondido de uma fase do Mario — a partir de um processo de aprendizagem cujo objetivo era outro. Isso me levou ao aprendizado #2: a curiosidade é como o primeiro fio de um novelo que, quando puxado, desenrola uma porção imprevisível de novas possibilidades de investigações e descobrimentos. O nome que se costuma dar a isso, aliás, é serendipidade.
Feliz e saltitante como o Mario após ter engolido um cogumelo que brotou dos arbustos, digitei algo como “cheese bridge mario secret” no Google. Um dos primeiros resultados foi um vídeo bem didático que reproduzo abaixo.
Como é possível ver acima, o segredo da fase não estava no meio dela, mas depois do seu final. Eu dificilmente descobriria essa manha sozinho. (obrigado Google, e obrigado pessoa que ficou jogando horas e horas até desvendar isso!) Bom, agora tudo que eu precisava era fazer o mesmo que aquele jogador fizera no vídeo (voar com o Mario e passar por baixo do final normal da tela, subindo novamente para então acessar a área secreta). Fácil, não? NÃO! (aprendizado #3: mesmo que você passe vários dias assistindo a vídeos de pessoas incríveis falando no TED, você ainda não fez o que elas fizeram e nada que elas falarem vai substituir sua própria trajetória de aprendizagem por tentativa e erro). Fato é que eu fiquei por volta de uma hora e meia na mesmíssima fase tentando repetir a atitude premeditadamente ousada do Mario do vídeo.
Mas, calma! Antes disso teve mais coisa. Após ver o tutorial algumas vezes, percebi que faltava em mim uma habilidade fundamental: saber voar direito. Eu já sabia usar a peninha para alçar voo, mas não tinha ideia de como planar (isto é, aquele movimento com a capa que faz o Mario permanecer no ar). Sem isso, era absolutamente impossível chegar até o final alternativo da fase.
Entendi então o que precisava fazer: treinar! Como campo de treino escolhi a fase da peninha, que fica no segundo mundo, pelo fato dela ser fácil e ter bastante espaço pra acolher minhas tentativas desastradas (aprendizado #4: se você tem um objetivo, perceba as habilidades fundamentais que você precisa desenvolver para chegar lá e treine-as até cansar, de preferência em ambientes que te possibilitem experimentar e errar).
Fiquei bastante tempo voando-e-morrendo-e-tentando-e-não-conseguindo-usar-meu-wingsuit, até que suspeitei que havia algo errado. Eu achava que já tinha testado simplesmente todos os botões do controle, ou seja, aquele Mario só podia estar de brincadeira com a minha pessoa. Foi aí que decidi dar uma olhadinha no oráculo digital de novo. Pra minha surpresa, lá dizia que era preciso apertar o direcional contrário à direção do voo (vulgo setinha pra trás) para planar. Ora, eu nunca pensaria nisso porque: 1) eu estava muito preocupado e desesperado apertando a setinha “pra frente” ao voar, porque senão era evidente que o Mario iria se espatifar no chão; 2) quem afinal criaria um comando tão estúpido, já que é incrivelmente difícil apertar setinha pra frente e pra trás ao mesmo tempo?
Ou seja: ao tomar como certeza o fato de que era imprescindível manter apertado o direcional pra frente para voar, acabei ficando preso numa armadilha que eu mesmo tinha criado. Foi assim que cheguei ao aprendizado #5: use a sabedoria de outras pessoas (ou do Google, que também é de outras pessoas) pra te abrir os olhos mesmo — e especialmente — quando você achar que está certo ou que já tentou de tudo. Agora sabendo o comando correto, pude treinar com muito mais assertividade, e não demorou muito pra que eu conseguisse planar como um verdadeiro pássaro pelos céus da ponte de queijo. Assim eu achava, pelo menos.
Só que, até então, era só treino. O real desafio era chegar até a segunda metade da fase, tomar distância e guiar o voo cuidadosamente por entre diversos liquidificadores mortíferos (ou seriam facas elétricas?), para então chegar no finalzinho da tela e planar por baixo do terreno conhecido. Fazer isso significava pôr em risco a vida daquele ser bigodudo e vermelho que, no fim das contas, só queria ver sua linda princesa de novo.
É claro que eu, ou melhor, o Mario ainda morreu inúmeras vezes tentando realizar essa façanha. O jogo naquele momento estava pedindo muito de alguém que tinha acabado de aprender razoavelmente a voar. No entanto, três coisas me ajudaram: o fato de que eu voltava várias vezes naquela fase secreta pra pegar vidas e peninhas extras (um autêntico oásis não belicoso em meio a tantas tartarugas assassinas); ter salvo o checkpoint na metade da tela (o que me fez ganhar bastante tempo já que o segredo estava no fim da tela); e o truque de sempre apertar Start + Select pouco antes de despencar no buraco, a fim de sair vivo da fase (isso me fez economizar várias inconvenientes idas na tela secreta para garantir vidas e equipamentos).
Aprendizado #6: ao aprender algo novo ou sair em busca de seu objetivo, tenha um lugar/atividade para recarregar suas baterias;
Aprendizado #7: não ignore as conquistas que você já teve antes. Elas são, literalmente, meio caminho andado para o sucesso;
Aprendizado #8: aprenda a cair (ou a não morrer desnecessariamente, no meu caso), e saiba que isso acontecerá muitas e muitas vezes antes de você poder celebrar a meta atingida.
Ainda assim, algo estava me impedindo de alcançar o desalmado final alternativo daquela fase. Depois de várias investidas frustradas, percebi a verdade por debaixo do grande nariz esférico do Mario: eu estava deixando ele voar no piloto automático. Isto é: eu e ele não estávamos conseguindo parar e pensar atentamente na nossa trajetória de voo e nos erros que já havíamos cometido. Estávamos tentando resolver a questão usando o mesmo conjunto de táticas que já tinham se provado equivocadas. Minha ansiedade em acabar logo com aquilo havia invadido toda minha massa cinzenta, e consequentemente eu não tinha nem cogitado a possibilidade de reolhar e replanejar a rota.
Ao constatar isso, comecei a testar algumas mudanças incrementais: tomar um pouco mais de distância antes de pular, planar duas vezes ao invés de três e até mesmo apertar de maneira mais firme cada botão do controle. Fiz isso algumas (várias) vezes e até consegui passar por baixo do primeiro final da fase — só para desabar logo em seguida.
Até que, finalmente… CONSEGUI!!!
Aprendizado #9: não precisa ser nenhum cientista para usar os princípios do método científico ao seu favor. Tudo que é preciso é ter uma pergunta e testar várias hipóteses, evitando cair no abismo do piloto automático.
Como deu pra ver, não sou nenhum expert em Super Mario World. Assim como não sou nenhum guru dos conselhos para uma boa aprendizagem. Prefiro me enxergar como um eterno aprendiz que gosta de fazer analogias. É importante lembrar como tudo começou: com um jogo que propositalmente enfatiza os segredos, os tesouros escondidos, as rotas fora da rota. É como diz o aprendizado #10: ao criar ou se lançar num novo processo de aprendizagem, tenha um olho no objetivo pragmático e outro nas pérolas que só são produzidas fora do caminho preestabelecido. Dá mais trabalho, afinal — como bem observou Rubem Alves — ostra feliz não faz pérola, mas te juro que vale a pena!